terça-feira, 29 de setembro de 2015

A Revolução da Brochurra

O caso Quaresma
A história do livro de bolso no Brasil começou no final do século XIX com diversas tentativas de  publicar coleções e séries de livros em formato pequeno, que alcançaram relativo sucesso, mas em seguida foram à falência.

Mas, em 1879, surge  a Livraria Quaresma  no Rio de Janeiro. Localizada na rua São José, 65/76, a Livraria Quaresma, de propriedade do português  Pedro da Silva Quaresma,  era especializada em livros de humor, crendices, modinhas populares e literatura infantil. Seus livros eram em tamanho menor e por isso mais baratos. Tendo em vista  a pouca cultura do nosso povo, Quaresma compreendeu que o meio de atraí-lo ao livro era dar-lhe leitura fácil, amena ou prática e ao alcance de qualquer um e principalmente  a preços acessíveis.

Assim como o livreiro Francisco Alves, Quaresma sentiu que existia um público leitor que estava sendo  ignorado pelas demais livrarias-editoras. Era a população comum, semiletrada.  

Quaresma criou um gênero logo conhecido como “edições Quaresma” com inovações: livros de cunho popular, formato reduzido, apresentação em brochura.   Os autores  eram escritores de terceira categoria, os quais Quaresma espalhava com grande êxito por todos os cantos do Brasil.

As edições Quaresma  formavam várias coleções, entre manuais, dicionários e cancioneiros, sempre de cunho prático e popular. Para o editor, a partir dessa leitura, o público  poderia ser atraído para as leituras mais densas.
Quaresma revelou o poeta Catulo da Paixão Cearense  que escreveu  livros de modinhas e canções que formavam a coleção “Bibliotheca dos Trovadores”, que  despertou a atenção de uma freguesia numerosa.

Escritores de “categoria mais elevada” também escreviam. Ticho Brahe  escreveu “O livro dos fantasmas”: casos de assombração, aparições, fenômenos espíritas que metiam medo na criançada;  e “Os roceiros”.

Outro grande escritor era Alberto Figueiredo Pimentel. Ele escreveu o “Manual dos Namorados”, que era “procuradissimo, pois revelava  uma technica admirável  de sedução e amor”, contendo “a melhor maneira de agradar às moças e fazer declarações em estilo elevado”.

Quaresma encomendou livros para crianças a Figueiredo Pimentel que se tornou o precursor da nossa literatura infantil. Este tipo de livro sempre fora importado de Portugal. Pimentel escreveu: “Histórias da Carochinha”, “Histórias do Arco da Velha”, “Histórias da avozinha”, “Histórias da baratinha”, “Os meus brinquedos”, “Theatro Infantil”,” O Álbum das creanças”, entre outros.

“Histórias da Carochinha” incorporou ao nosso folclore a imagem de “uma velha bondosa e afável a distrair os pequenos, com suas narrativas feéricas”.
Quaresma ainda inovava com uma publicidade  “à moda ianque” (americana). Quando lançava uma edição, fazia grandes cartazes com o nome do livro e mandava pregá-los por todos os pontos da cidade.

A livraria cerrou suas portas em 1951 e a maioria destas informações são provenientes de uma entrevista que Brito Broca fez com Carlos Ribeiro, que começou a trabalhar na livraria com treze anos e lá permaneceu por mais vinte e cinco.

Graças ao estrondoso sucesso de vendas, às altas tiragens, ao formato reduzido dos livros e aos seus preços acessíveis, Quaresma foi por muito tempo boicotado e “banido” das rodas de seus pares livreiros que, por inveja ou preconceito, não se conformavam com o sucesso do concorrente.

Pedro da Silva Quaresma foi pioneiro sob três aspectos: como editor da literatura popular, como editor de literatura infantil e como inventor da publicidade impressa para vender livros.

Não se sabe se o comércio de Quaresma formou  o hábito da leitura em quem comprava seus livros.  Para João do Rio, isso não aconteceu, pois ele considera que os leitores das “edições Quaresma”  jamais leriam qualquer coisa diferente.

Quaresma preocupou-se em montar um negócio para um público alvo até então ignorado. Graças a ele, muitas pessoas que nunca haviam entrado antes numa livraria  começaram a fazê-lo, o que já era  um grande feito.  Quaresma foi o primeiro “livreiro popular” do Brasil.

Nos anos de  1940: a Tecnoprint, uma grande editora de livros pequenos
A Tecnoprint Gráfica lançou seu primeiro livro, em 1939, “Fala e escreve corretamente tua língua”, de Luís A. P. Victoria, que continua até hoje no catálogo. A empresa foi fundada por Jorge Gertrum Carneiro, médico gaúcho, Antônio, seu irmão e Frederico Mannheimer, refugiado da Alemanha nazista, com o claro intuito de implantar uma indústria brasileira do taschenbuch  (livro de bolso). Isso foi em 1940 e o nome da empresa era Publicações Pan-Americanas, que se dedicava apenas à importação e venda de livros estrangeiros, embora não tenha obtido bons resultados nesse negócio.

Com as dificuldades da Segunda Guerra Mundial, a empresa tentou entrar em outras áreas, como Medicina e Engenharia, edição de revistas e até edição de publicações de cunho erótico, mas foi à falência.

Depois dessas empreitadas frustradas foi que eles se concentraram nos livros de bolso, criando o editora Edições de Ouro. Começaram com uma coleção do tipo “aprenda sozinho”, a coleção “Sem Mestre”, que melhorou a situação financeira da empresa e logo lançaram a coleção “Coquetel de Palavras Cruzadas”, com material daquelas revistas cujo projeto havia fracassado.

Os policiais eram os principais destaques de venda nas bancas, o que permitiu à empresa formar uma sólida base econômica. Com isso, o catálogo foi logo crescendo e a editora já contava com diversas temáticas diferentes, entre elas, livros práticos e manuais de auto-educação, ficção de boa qualidade (tanto clássica quanto moderna), “obras clássicas” de história, filosofia e literatura, e uma coleção de “clássicos para a infância e juventude”.

A maioria das obras era de domínio público e, para as demais, havia um pagamento fixo de direitos autorais, política pensada para a empresa logo se livrar desse tipo de custo. A distribuição da editora  contava com uma rede de 25 lojas exclusivas em 14 cidades brasileiras, para venderem apenas livros das “Edições de Ouro” .

E também as bancas de jornais e o reembolso postal. As livrarias “jamais demonstraram entusiasmo por qualquer tipo de publicação barata”. Com uma grande mala direta, a Ediouro enviava mensalmente aos clientes um catálogo com as novidades para compras  via correio, mas com um mínimo de gasto.

Sintetizando suas experiências na área editorial, os proprietários da Ediouro  hoje afirmam que  têm se limitado praticamente às reedições. Não lhes  parece que o livro de bolso se preste a lançar obras ou autores novos. A função do livro de bolso, a seu ver, é dar maior divulgação às obras já conhecidas e adquiridas em outras edições pela elite.

Assim, eles não acreditam que com esta linha de livros possam conquistar a grande massa do povo, que não tem condições para adquirir nem livros de bolso. Seu público alvo é principalmente os estudantes e a classe média (que tem recursos, mas não tem o hábito de adquirir livros)  que podem ser conquistados.

Hoje em dia, a Ediouro está direcionando seu catálogo para livros extremamente bem acabados e parece que vai trilhar o caminho da maioria das editoras brasileiras, ou seja, editar livros nada acessíveis ao bolso da maioria das pessoas.

Oliveira afirma que os problemas  de quase todas as editoras são aparentemente simples: vender os livros. O que o Brasil precisa é de uma boa rede de livrarias, mas, a curto prazo,  isto é praticamente impossível.

Fonte:
Oliveira, Lívio Lima de, A Revolução da Brochura: experiências de Edição de Livros Acessíveis no Brasil até a primeira metade do séc. XX
Nota sobre o autor:  Prof. Ms. Livio Lima de Oliveira.  Produtor Gráfico da Martins Editora. O artigo do autor foi extraído da sua  tese de doutoramento, em 2008, pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo.

Nota 2: para ler as 15 páginas do excelente artigo de Oliveira, na íntegra:  


Nota 3: O trabalho de Oliveira refere-se à história do livro de bolso no Brasil. Mas, essa invenção pertence à Itália no início do século XVI em estudo à parte que vamos apresentar.

Profa. Lúcia Rocha

Imagem: http://xpress.superpedido.com.br/Imagens/Capas200909/8573440872.jpg

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