O
caso Quaresma
A história do livro de bolso no Brasil começou no final
do século XIX com diversas tentativas de
publicar coleções e séries de livros em formato pequeno, que alcançaram
relativo sucesso, mas em seguida foram à falência.
Mas, em 1879, surge a Livraria Quaresma no Rio de Janeiro. Localizada na rua São José,
65/76, a Livraria Quaresma, de propriedade do português Pedro da Silva Quaresma, era especializada em livros de humor,
crendices, modinhas populares e literatura infantil. Seus livros eram em
tamanho menor e por isso mais baratos. Tendo em vista a pouca cultura do nosso povo, Quaresma compreendeu
que o meio de atraí-lo ao livro era dar-lhe leitura fácil, amena ou prática e ao
alcance de qualquer um e principalmente a preços acessíveis.
Assim como o livreiro Francisco Alves, Quaresma sentiu
que existia um público leitor que estava sendo
ignorado pelas demais livrarias-editoras. Era a população comum, semiletrada.
Quaresma criou um gênero logo conhecido como “edições
Quaresma” com inovações: livros de cunho popular, formato reduzido,
apresentação em brochura. Os autores eram escritores de terceira categoria, os
quais Quaresma espalhava com grande êxito por todos os cantos do Brasil.
As edições Quaresma formavam várias coleções, entre manuais,
dicionários e cancioneiros, sempre de cunho prático e popular. Para
o editor, a partir dessa leitura, o público
poderia ser atraído para as leituras mais densas.
Quaresma revelou o poeta Catulo da Paixão Cearense que escreveu livros de modinhas e canções que formavam a
coleção “Bibliotheca dos Trovadores”, que despertou a atenção de uma freguesia numerosa.
Escritores de “categoria mais elevada” também escreviam.
Ticho Brahe escreveu “O livro dos
fantasmas”: casos de assombração, aparições, fenômenos espíritas que metiam
medo na criançada; e “Os roceiros”.
Outro grande
escritor era Alberto Figueiredo Pimentel. Ele escreveu o “Manual dos Namorados”,
que era “procuradissimo, pois revelava
uma technica admirável de sedução
e amor”, contendo “a melhor maneira de agradar às moças e fazer declarações em
estilo elevado”.
Quaresma
encomendou livros para crianças a Figueiredo Pimentel que se tornou o precursor
da nossa literatura infantil. Este tipo de livro sempre fora importado de
Portugal. Pimentel escreveu: “Histórias da Carochinha”, “Histórias do Arco da
Velha”, “Histórias da avozinha”, “Histórias da baratinha”, “Os meus brinquedos”,
“Theatro Infantil”,” O Álbum das creanças”, entre outros.
“Histórias da
Carochinha” incorporou ao nosso folclore a imagem de “uma velha bondosa e
afável a distrair os pequenos, com suas narrativas feéricas”.
Quaresma ainda inovava com uma publicidade “à moda ianque” (americana). Quando lançava
uma edição, fazia grandes cartazes com o nome do livro e mandava pregá-los por
todos os pontos da cidade.
A livraria cerrou
suas portas em 1951 e a maioria destas informações são provenientes de uma
entrevista que Brito Broca fez com Carlos Ribeiro, que começou a trabalhar na
livraria com treze anos e lá permaneceu por mais vinte e cinco.
Graças ao estrondoso sucesso de vendas, às altas
tiragens, ao formato reduzido dos livros e aos seus preços acessíveis, Quaresma
foi por muito tempo boicotado e “banido” das rodas de seus pares livreiros que,
por inveja ou preconceito, não se conformavam com o sucesso do concorrente.
Pedro da Silva Quaresma foi pioneiro sob três aspectos: como
editor da literatura popular, como editor de literatura infantil e como
inventor da publicidade impressa para vender livros.
Não se sabe se o comércio
de Quaresma formou o hábito da leitura
em quem comprava seus livros. Para João
do Rio, isso não aconteceu, pois ele considera que os leitores das “edições
Quaresma” jamais leriam qualquer coisa
diferente.
Quaresma preocupou-se em montar um negócio para um público
alvo até então ignorado. Graças a ele, muitas pessoas que nunca haviam entrado
antes numa livraria começaram a fazê-lo,
o que já era um grande feito. Quaresma foi o primeiro “livreiro popular” do
Brasil.
Nos
anos de 1940: a Tecnoprint, uma grande
editora de livros pequenos
A Tecnoprint Gráfica lançou seu primeiro livro, em 1939, “Fala
e escreve corretamente tua língua”, de Luís A. P. Victoria, que continua até
hoje no catálogo. A empresa foi fundada por Jorge Gertrum Carneiro, médico
gaúcho, Antônio, seu irmão e Frederico Mannheimer, refugiado da Alemanha
nazista, com o claro intuito de implantar uma indústria brasileira do
taschenbuch (livro de bolso). Isso foi
em 1940 e o nome da empresa era Publicações Pan-Americanas, que se dedicava
apenas à importação e venda de livros estrangeiros, embora não tenha obtido
bons resultados nesse negócio.
Com as dificuldades da Segunda Guerra Mundial, a empresa
tentou entrar em outras áreas, como Medicina e Engenharia, edição de revistas e
até edição de publicações de cunho erótico, mas foi à falência.
Depois dessas
empreitadas frustradas foi que eles se concentraram nos livros de bolso,
criando o editora Edições de Ouro. Começaram com uma coleção do tipo “aprenda
sozinho”, a coleção “Sem Mestre”, que melhorou a situação financeira da empresa
e logo lançaram a coleção “Coquetel de Palavras Cruzadas”, com material
daquelas revistas cujo projeto havia fracassado.
Os policiais eram os principais destaques de venda nas
bancas, o que permitiu à empresa formar uma sólida base econômica. Com isso, o
catálogo foi logo crescendo e a editora já contava com diversas temáticas
diferentes, entre elas, livros práticos e manuais de auto-educação, ficção de
boa qualidade (tanto clássica quanto moderna), “obras clássicas” de história,
filosofia e literatura, e uma coleção de “clássicos para a infância e
juventude”.
A maioria das obras era de domínio público e, para as
demais, havia um pagamento fixo de direitos autorais, política pensada para a
empresa logo se livrar desse tipo de custo. A distribuição da editora contava com uma rede de 25 lojas exclusivas em
14 cidades brasileiras, para venderem apenas livros das “Edições de Ouro” .
E também as bancas de jornais e o reembolso postal. As
livrarias “jamais demonstraram entusiasmo por qualquer tipo de publicação barata”.
Com uma grande mala direta, a Ediouro enviava mensalmente aos clientes um
catálogo com as novidades para compras via correio, mas com um mínimo de gasto.
Sintetizando suas experiências na área editorial, os
proprietários da Ediouro hoje afirmam
que têm se limitado praticamente às
reedições. Não lhes parece que o livro
de bolso se preste a lançar obras ou autores novos. A função do livro de bolso,
a seu ver, é dar maior divulgação às obras já conhecidas e adquiridas em outras
edições pela elite.
Assim, eles não
acreditam que com esta linha de livros possam conquistar a grande massa do
povo, que não tem condições para adquirir nem livros de bolso. Seu público alvo
é principalmente os estudantes e a classe média (que tem recursos, mas não tem
o hábito de adquirir livros) que podem
ser conquistados.
Hoje em dia, a Ediouro está direcionando seu catálogo
para livros extremamente bem acabados e parece que vai trilhar o caminho da
maioria das editoras brasileiras, ou seja, editar livros nada acessíveis ao
bolso da maioria das pessoas.
Oliveira afirma que os problemas de quase todas as editoras são aparentemente
simples: vender os livros. O que o Brasil precisa é de uma boa rede de
livrarias, mas, a curto prazo, isto é praticamente
impossível.
Fonte:
Oliveira, Lívio Lima de, A Revolução da Brochura: experiências
de Edição de Livros Acessíveis no Brasil até a primeira metade do séc. XX
Nota sobre o autor:
Prof. Ms. Livio Lima de Oliveira. Produtor Gráfico da Martins Editora. O artigo do
autor foi extraído da sua tese de doutoramento,
em 2008, pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo.
Nota 2: para ler as 15 páginas do excelente artigo de
Oliveira, na íntegra:
Nota 3: O trabalho de Oliveira refere-se à história do
livro de bolso no Brasil. Mas, essa invenção pertence à Itália no início do
século XVI em estudo à parte que vamos apresentar.
Profa. Lúcia Rocha
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