segunda-feira, 20 de julho de 2015

Nosso Português - 2 - A Escrita e a Leitura

(Pequeno estudo de linguística para leigos, em continuação. Conhecimento de nível universitário fundamentado na obra abaixo citada.) 

As letras greco-latinas da Antiguidade

Introdução 

A linguagem existe porque um pensamento se une a uma forma de expressão, seja a fala, a escrita ou a leitura. A escrita tem como objetivo a leitura. Para facilitar a comunicação entre todas as pessoas de uma sociedade é que se estabeleceu um código de escrita (uma codificação),  uma convenção com desenhos para as letras.

HISTÓRIA DA ESCRITA

A história da escrita teve três fases distintas: a pictórica, a ideográfica e a alfabética.

A fase pictórica são os desenhos ou pictogramas. Estes aparecem em inscrições antigas e de forma mais elaborada na escrita asteca e mais recentemente nas histórias em quadrinhos. Os pictogramas não estão associados a um som, mas à imagem. São representações bem simplificadas dos objetos da realidade. 

A fase ideográfica é a escrita através de desenhos especiais chamados ideogramas. Ao longo do tempo, esses desenhos perderam detalhes e se tornaram uma simples convenção de escrita. As letras do nosso alfabeto vieram desse tipo de evolução. Por exemplo, na escrita egípcia, o “a” era a representação estilizada da cabeça de um boi ; o “x” representava um peixe. As escritas ideográficas mais importantes são a egípcia (também chamada de hieroglífica), a mesopotâmica (suméria), a cretense e a chinesa (de onde provem a escrita japonesa).

A fase alfabética se caracteriza pelo uso de letras. Estas vieram dos ideogramas, mas perderam o valor ideográfico, assumindo uma nova função da escrita: a representação puramente fonográfica. O ideograma perdeu seu valor pictórico e passou a ser simplesmente uma representação fonética. Os sistemas mais importantes são o semítico, o indiano e o greco-latino. Deste último provem o nosso alfabeto (latino) e o cirílico (grego), que originou o atual alfabeto russo.

Na Antiguidade, as variantes das letras escritas nos papiros e pergaminhos se restringiam a uns poucos casos. O latim, por exemplo, não tinha as letras minúsculas. A escrita de forma era anotada nos manuscritos dos papiros e mais tarde dos pergaminhos, que conservaram o saber acumulado. A escrita cursiva aparece só na Idade Média.  

No final da Idade Média, Guttemberg inventou a imprensa. O primeiro livro que ele imprimiu foi a Bíblia, em 1455. A invenção da imprensa facilitou a disseminação dos livros contribuindo grandemente para o desenvolvimento do Renascimento.

Os instrumentos de escrita também se transformaram muito ao longo do tempo, desde o pincel, o cinzel, o estilete, o lápis, a caneta até as teclas dos mais avançados computadores.

A escrita do português

Os fenícios utilizaram vários sinais da escrita egípcia formando um inventário muito reduzido de caracteres, cada qual escrevendo um som consonantal. Eles não consideravam importante escrever as vogais. Os gregos adaptaram o sistema da escrita fenícia ao qual juntaram as vogais. Assim, escrevendo consoantes e vogais, os gregos criaram o sistema de escrita alfabética. Essa escrita é a que apresenta um inventário menor de símbolos que permitem uma maior possibilidade combinatória de caracteres. Posteriormente, a escrita grega foi adaptada pelos romanos constituindo o sistema alfabético greco-latino, do qual provém o nosso alfabeto.

A escrita do português se apresenta de tantas formas quantos são os dialetos, mas respeitando o sistema alfabético. Apesar da nossa escrita conter números, siglas, sinais ideográficos (ou ideogramas, como R$, US$, “ “, ( ); libra esterlina,  raiz quadrada, etc), ela é fundamentalmente alfabética, tendo como base a letra.

 Nós escrevemos da esquerda para a direita, de cima para baixo. Os árabes escrevem da direita para a esquerda, de cima para baixo. Os chineses e japoneses escrevem da direita para a esquerda em colunas verticais. A escrita, seja ela qual for, representa uma maneira de preservar a memória coletiva religiosa, mágica, científica, política, artística e cultural.

Todos nós, crianças, adolescentes e adultos, vivemos em contato com vários tipos de escrita: os logotipos, as placas de trânsito, os desenhos que  indicam os banheiros masculinos e femininos,  rótulos e  cartazes, além dos textos de revistas, jornais, televisão, internet, etc. Portanto, os logotipos, as marcas e as placas também pertencem ao nosso sistema de escrita, pois transmitem uma mensagem para a leitura.

Mais recentemente apareceram o rádio, o cinema e a televisão. A memória coletiva dos povos passou a ter outros meios de materialização. Ninguém pensa numa gravação como escrita, mas é de fato uma representação magnética (ou digitada) dos sons, sendo de certo modo a maior sofisticação dos sistemas alfabéticos, operados agora não mais pela análise linguística, mas pela análise eletrônica da fala. 

Neste século XXI, muitas pessoas até podem ler jornal todos os dias, mas escrevem raramente sobre papel. Crianças,  jovens e adultos acessam diariamente as redes sociais, consultam seus e-mails, fazem pesquisas na internet, sempre digitando nas teclas do computador. É uma das atividades que nós mais gostamos de fazer.  Muitos estudantes digitam e imprimem seus trabalhos, pouco escrevem em cadernos. Desde que os computadores entraram em quase todas as casas, os adultos já diplomados passaram a escrever praticamente apenas listas de compras, raros cartões festivos e a assinatura dos seus nomes. A escrita cursiva está cada vez mais rara mesmo entre os falantes do dialeto de prestígio. 


A escola e a escrita

O caminho que a criança percorre na alfabetização é muito semelhante ao processo de transformação pelo qual a escrita passou desde a sua invenção. Assim como os povos antigos, as crianças usam inicialmente o desenho como forma de representação gráfica e são capazes de contar uma história longa como significação de alguns traços por ela desenhados. 

Diante das mais recentes conquistas tecnológicas e dos novos hábitos da vida moderna, talvez alfabetizar pela forma tradicional seja um modo ultrapassado. Mas, por enquanto, é o que acontece na maioria das escolas públicas: lápis e caderno. 

Só não existe computador na maioria das escolas públicas onde, por isso,  predomina a escrita cursiva. Atualmente a alfabetização é uma tarefa difícil para os professores, pois as crianças não entendem para que serve a escrita sobre papel,  já que elas não veem ninguém habitualmente escrevendo com lápis ou caneta sobre papel na sua casa. 

A LEITURA       

A leitura é a realização do objetivo da escrita.  Quem escreve, escreve para ser lido. Ler é exprimir um pensamento estruturado por outra pessoa, não pelo leitor falante. Outra coisa é a “leitura do mundo”, que é uma metáfora, muito importante quanto a filosofia de vida. Mas, estamos nos referindo à leitura linguística baseada na escrita. A leitura linguística é uma decifração, uma decodificação do sistema de escrita. O nosso sistema de escrita é o alfabético. 

Segundo o professor Cagliari (2010), é muito mais importante saber ler do que saber escrever. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos deve estar voltado para a leitura. Se um aluno não se sair muito bem nas outras atividades, mas for um bom leitor, a escola já cumpriu em grande parte sua tarefa.

A maioria dos problemas que os alunos encontram ao longo dos anos de estudo, chegando até a pós-graduação, é decorrente dos problemas de leitura. Muitas vezes, o aluno não resolve problemas de matemática não porque não saiba matemática, mas porque não sabe ler o enunciado do problema: ele lê, mas não sabe interpretar o que lê, não sabe interpretar a “mensagem” que está escrita. O que de fato ele não entende é a leitura do português. 

Como afirma Cagliari, o professor que vai ensinar a ler e a escrever estuda de tudo na universidade, exceto o português que deverá ensinar. A universidade não forma adequadamente os pedagogos, que são os alfabetizadores. No ano de 1993, meu professor de Filosofia Hermas Arana dizia na Unicamp, em outras palavras, que o português é a língua ocidental mais difícil de aprender, seguido pelo francês, pelo grande número de exceções gramaticais e pela dificuldade da conjugação dos verbos. 

A escola e a família devem incentivar a leitura de boas obras. Penso que  a leitura de um  livro deve começar pela capa, contra-capa e “orelhas” onde há informações importantes, inclusive sobre o autor. Quem não lê bons livros, desde a infância, não pode tornar-se um escritor fluente, que se comunica com facilidade. 

Por outro lado, afirmo que os bons autores, da década de 1970 para trás, escreveram histórias belíssimas usando longos períodos gramaticais, repletos de vírgulas. Na argumentação, usavam também a repetição das ideias de outra forma “para dar ênfase”. Textos semelhantes hoje se tornam cansativos, além do mais já não temos tanto tempo disponível para a leitura. Atualmente, e por influência do jornalismo, os períodos gramaticais dos bons escritores são curtos, usando-se  o mínimo indispensável de vírgulas. Jornais como a Folha de São Paulo exigem a economia do espaço, que custa caro.   

Tenho lido bons autores da atualidade de ciência e de ficção que já se adequaram ao novo formato. Alguns se tornaram best sellers pelo mundo todo. Merecidamente. Quem lê logo um livro moderno pode logo emprestá-lo a um amigo numa ciranda  pela democratização da cultura. 

Por oportuno, considero que os livros devem ser bem impressos, ou seja, apresentar textos bem legíveis sobre um papel de boa qualidade, o que torna agradável a leitura, inclusive porque não força a visão. Tudo isso e mais  uma bela capa para atrair o público leitor, que é exigente, e por isso faz questão de pagar mais caro por um bom produto cultural. Antes de tudo, um livro tem de ser um objeto de desejo. Visão e tato, eis a  primeira vivência emocional da leitura. “Livro, presente de amigo.”,  slogan de uma livraria paulistana em meados do século XX. (FIM)    

Fonte: Alfabetização e linguística, Luiz Carlos Cagliari, Scipione, 2010

Profa. Lúcia Rocha

Imagens:

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